eninas negras são as principais vítimas de estupro no Brasil. Mesmo considerando aquelas que não vão até a polícia ou hospital, ou nem sabem nomeá-la, a violência sexual é como uma avalanche na vida, e os dados mostram isso. Análise recente feita pelo Insper com base em dados do Ministério da Saúde aponta que de todos os estupros registrados no Brasil, meninas negras de até 18 anos são 40% das vítimas. Meninas brancas são 20%.
Toda violência sexual deve ser combatida, denunciada, punida na forma da lei e rechaçada. Todos os abusadores precisam pagar pelos seus crimes. Todas as vítimas precisam ser acolhidas, ouvidas e respeitadas. Infelizmente, as bases racistas e machistas da sociedade em que estamos não permite isso. E eu vou te explicar melhor por que isso acontece neste texto.
A cultura do estupro – vamos falar mais sobre ela depois? – garante aos abusadores livre acesso aos nossos corpos, ao mesmo tempo, em que nos nega a autoridade sobre eles. Falando mais pertinho aqui de você, que é negra, a essa cultura soma-se o racismo e a ilusão de que pessoas brancas são superiores, seja lá o que isso signifique. A lógica racista reserva aos nossos corpos a servidão física, intelectual, social, etc. E isso vale desde o nascimento.
Isso tudo nos leva ao dado apresentado acima. O corpo da menina negra, na cultura em que vivemos hoje, está à disposição para ser abusado e violentado. Quando nosso corpo é nosso, afinal? Se for depender deles, os outros, os que não nos enxergam, a resposta é nunca.
Mas existe um levante em curso. Ok, há muitos anos estamos tentando. Mas com a facilidade trazida pelas redes e pelo celular é possível encontrar outras meninas, entender nossos direitos, entender quando violam esses direitos e encontrar coragem em algum cantinho para levantar a voz e pedir ajuda. A lei é contigo, e se alguém disser o contrário, há meios suficientes para bater o pé e fazer isso valer. Para a gente, a resposta é sempre.
Não é fácil, não. “Os outros” são muitos, eu sei. Às vezes eles estão perto demais, no quarto ao lado. Eu sei. Mas seu corpo ainda é seu. Se formos fazer um combinado logo no início desse papo que teremos por aqui, essa é a primeira regra (talvez única): não esquecer que seu corpo é seu.
O corpo da menina negra, na cultura em que vivemos hoje, está à disposição para ser abusado e violentado. Quando nosso corpo é nosso, afinal? Se for depender deles, os outros, os que não nos enxergam, a resposta é nunca.
Lola Ferreira, colunista da CAPRICHO
Hoje existem redes, ouvintes, amigos e amigas, jornalistas, advogadas e várias pessoas dispostas a nos lembrar disso, e agir da forma que for preciso para não deixar ninguém passar por cima dessa verdade incontestável. E é sobre isso que é o levante: garantir que ninguém ache que tem mais poder sobre o seu corpo do que você.
A redução dos números e a proteção de meninas negras passa por políticas públicas, pelo entendimento social e coletivo de que é necessária uma rede de proteção. Isso é inegociável. Mas se paralelamente a esse pleito a gente caminhar juntas, lembrando, apresentando, defendendo e protegendo umas às outras, conseguiremos amedrontar os tais outros. No fim das contas, eles não passam de covardes.