Modelo que acusa Livinho: “Dificuldade de voltar a aceitar meu cabelo”
O cantor fez o que chamou de "piadas" sobre os cachos de Raielli Leon durante a gravação de um clipe
Nas últimas semanas, os Estados Unidos têm sido palco de diversas manifestações antirracistas. As passeatas, que já duram vários dias, começaram após o assassinato de George Floyd em uma abordagem violenta feita por um policial branco. O caso marcou o início de uma movimentação mundial em prol do movimento negro.
Hashtags como #BlackLivesMatters, que em português significa “Vidas Negras Importam”, deram força para vários jovens contarem suas experiências e denunciarem casos de racismo que viveram ao longo dos anos. A história de Raielli Leon foi uma delas. A modelo e dançarina decidiu, depois de três anos, retomar um episódio racista que sofreu na gravação de um clipe com o funkeiro MC Livinho.
O caso, que aconteceu em 2017, foi definido pelo cantor como brincadeira, porém, as “piadas” deixaram Raielli extremamente ofendida. Pelos Stories, a modelo relembrou os comentários que ouviu de Livinho sobre seus fios crespos. “Ele tirou o celular do bolso dele, colocou no meu cabelo e puxou. Quando ele pegou o telefone do meu cabelo, falou: ‘Você roubou meu celular!'”, disse.
Mesmo que essa não tenha sido a intenção do cantor, atitudes desse tipo são ofensivas. Em entrevista à CAPRICHO, Raielli contou que o episódio serviu como gatilho para reviver o preconceito que sofria, principalmente na época da escola.“Foi muito difícil. Eu relembrei tudo o que já tinha passado e isso afetou meus trabalhos futuros também. Eu tive dificuldade para voltar a aceitar meu cabelo crespo. Por muito tempo acreditei que iria precisar de mega hair para ficar tão bonita quanto as outras meninas”, desabafou.
Na época, Raielli acionou a justiça contra o cantor, mas o processo não teve continuidade. “Eu tinha as provas no meu celular, mas fui roubada. A advogada que estava cuidando do caso disse que iria me passar, mas, de alguma forma, ela acabou também perdendo tudo e eu não tive como seguir”, relembrou a modelo.
Pelas redes sociais, Livinho explicou que apesar de ter errado no episódio, hoje entende que esse tipo de atitude não pode acontecer. “Sou outra pessoa. [Racismo] é uma acusação muito séria, sempre lutei contra isso”, disse o cantor em uma série de vídeos. “Fiquei muito triste com a situação no dia, porque transpareceu uma coisa que eu não sou. No momento em que tirei o celular da cabeça dela brincando, ela não gostou. Pensei no filme Todo Mundo em Pânico 4, no qual o cara retira um cigarro da cabeça. Na hora, veio isso: ‘Vou tirar o celular da cabeça dela zoando’. Não tem nada racista, mas percebi que ela não gostou e no mesmo momento pedi desculpas e falei que não foi a intenção”. Apesar do cantor dizer que se desculpou, a garota garante que isso não aconteceu.
A carreira de modelo é ainda mais difícil para meninas negras, e Raielli conta sua experiência: “É uma área muito competitiva e a gente não tem tanta oportunidade. Tem que aprender a ouvir ‘não’ e ter forças para continuar. Às vezes, são 30 garotas pretas concorrendo a duas vagas em um casting no qual serão selecionadas 20 meninas, sabe? Temos que competir entre a gente.”
A vontade de ser aceita sempre existiu. Aos 10 anos, esse desejo era tão grande que seu presente de aniversário foi um processo de alisamento. “Mesmo tendo ficado feliz de finalmente ter os fios lisos, eu percebi que sempre iria ser vista com diferença“, disse. A química afetou a saúde do seu cabelo e os cortes químicos foram inevitáveis, a solução foi colocar apliques já que ela não queria deixar o comprimento tão curto.
Em uma das fases mais difíceis da sua vida, em 2013, após um acidente de moto que a deixou de cadeira de rodas por um período e tirou a vida do seu namorado, Raielli não tinha mais como cuidar do seu cabelo. Com o passar do tempo, a modelo teve força para começar a transição capilar. “Quando eu comecei a ver meus fios novamente, foi uma sensação de liberdade. O processo não foi fácil, mas valeu a pena“, contou.
Apesar das críticas que vem recebendo, principalmente de fãs do cantor, ela encontrou apoio em outras mulheres que, assim como ela, passaram por uma série de preconceitos ao longo de suas trajetórias. “Se eu tivesse alguém para me dizer as coisas que sei hoje, com certeza teria sofrido menos. Tenho ouvido meninas de 10, 12 anos com histórias emocionantes e tenho ensinado sobre a importância da nossa ancestralidade, dos nossos traços e da nossa luta”, completou.
Que cada vez mais garotas se sintam encorajadas a falar sobre situações de opressão vividas, e que essas histórias nos ajudem a combater o racismo que infelizmente é tão presente em nosso país.